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domingo, 5 de abril de 2020

Imersão

Não estamos apenas recolhidos em casa, estamos também recolhidos em nós, avaliando o que fizemos até aqui e o quanto queremos fazer nos próximos anos. 
O agora ficou lento o suficiente para enxergarmos a nós mesmos . Sempre nos vimos através do outro, agora o enxergamos através de nós. 
Uma nova consciência surge em tempos tão caóticos. A ilha em que vivíamos e que nos absorveu está se diluindo e começamos a ressurgir. 
Sim, já não somos uma ilha, somos jangadas, buscando um porto seguro. Uma jangada em mar aberto, recolhendo momentos, instantes de vida espalhados, flutuando em pequenas boias da lembrança. 

Praia, Tufão, Ondas Altas, A Natureza Do Assédio, Ilha

Recolhidos, enjaulados e a solidão não parece ser mais o pior inimigo, tornou-se aliada. 
É na solidão do meu eu que incorporo esses instantes, aceitando que existem outros reclusos com momentos idênticos, mas que haviam sido esquecidos. 
O mar interior está revolto, ondas imensas de saudades nos obrigam a recuar para poder avançar. Recuamos para abraços passados, beijos distantes no tempo, risadas, contatos... Ahhh, que falta pode fazer um instante! 
E seguimos em nosso recolhimento interior com os dias, lá fora, passando inexoráveis. 
Não há previsões, não cabem previsões nem lá fora, nem aqui dentro. 
Normalidade é uma palavra que também ficou pra trás, boiando com as recordações. A diferença é que ela se afasta, não se junta a nada. É como se a normalidade fosse momentos pontilhados, sem traços definidos. 
Penso a respeito e percebo que somente os momentos vividos com emoção e compartilhamento possuem linhas retas, com espessuras das mais variadas. São reais. 
A normalidade pontilhada nunca existiu além das nossas crenças. Pensei que em momentos de crise o melhor seria buscar a normalidade. Que grande equívoco! 
Não sei quanto aos outros, mas sinto alívio em ver a normalidade se afastar. É um grande iceberg em nossa vida . Um iceberg pontilhado sim, mas imensamente pesado. Como é transparente podemos ver tudo o que há dentro dele: a rotina que odiamos, a forma de trabalhar que consome as 24 horas do dia, a preocupação exagerada pelos demais, nossas opções mais ousadas amontoadas sob o tapete do medo, as opiniões alheias ocupando espaços importantes, baús e mais baús contendo soluções práticas para agradar a todos, gaiolas de sentimentos controlados e vigiados, e uma caixa de entrada, dessas de escritório para documentos vindos de fora, só que imensa, que ora parece cheia e ora vazia. 
Numa etiqueta, colada na frente da caixa de entradas, estava escrito: ama-me! Compreendo que o amor não é delivery, não aceita pedidos pra pronta entrega, esse tipo de amor que comporta em uma caixa de entradas é inseguro e inconstante, variando conforme nossas necessidades: quanto mais precisamos, menos temos e vice-versa, porque o amor verdadeiro não cabe na normalidade, e não depende das nossas carências. 
Quase cai dessa jangada emoção... Essa é a normalidade que abarcanhava minha vida e pode estar envolvendo a sua vida agora. 
A quarentena segue e nosso recolhimento também, aliás creio que, terminando o confinamento, poderemos seguir submergindo para descobrir mais tesouros, desses que nos tornam ricos para o resto de uma vida louca e feliz.