Houve um tempo em que a palavra valia mais que
qualquer assinatura, e um fio de bigode tinha valor de confiança.
Não que eu queira reviver o passado transbordando um
saudosismo piegas, mas pela ordem natural das coisas o que sempre foi bom e
justo deveria assim permanecer. Porém, de repente o progresso fornece munição
aos maus e tira das mãos dos bons as armas que os protegem.
De repente... Tão de repente que ninguém se deu conta
da transformação, houve uma época em que ser esperto era algo natural, tão
próprio do ser humano. E a política do “levar vantagem” foi se espalhando em
silêncio, sorrateiramente, incorporando-se nas casas, nas empresas, na
sociedade, entre os jovens, na família... O filho pra respeitar e obedecer ao
pai passou a ter que ganhar algo em troca: um celular, um carro, um
computador... O empregado não se sente mais envergonhado em abastecer sua casa
com os materiais de escritório da empresa, o aluno barganha nota usando a
influência dos pais – boa ou má. Um jeitinho aqui, um pagamento ali... Para ser
político já não precisa entender de política, basta pegar uma criancinha no
colo, apertar a mão do pai e prometer uma “ajudazinha” aqui e acolá. Para
dirigir um Estado ou um País, precisa mais que nunca fechar conchavos, pactuar
com “o diabo” e esquecer as leis que ele próprio atribuiu a um Deus, a esse
mesmo Deus a quem ele passou a utilizar para conquistar almas para o seu
rebanho sem consciência.
Aliás, a palavra consciência continuou sendo tão
duramente utilizada para castrar e amordaçar, mas deixou de existir tanto
quanto voz moral quanto lugar seguro da realidade. O prazer foi dominado pelo
poder e instigado por uma organização chamada mídia, que explode, a todo
instante, bombas de imagens, tão rápidas e sugestivas que faz o indivíduo achar
que sua vontade ainda lhe pertence, embora faça tudo que seu mestre
mandar.
As crianças, de repente, não mais que de repente se
tornaram miniaturas de adultos, e estes, desnorteados pela invasão de
informações contraditórias, se transformaram em depósito de lixo auditivo e
visual.
E chegou o tempo da colheita... E hoje o bom tempo
ficou ocioso e o mau tempo sobrecarregado de injustiças sociais, de
intolerância e desordem. Respeito não é mais palavra de ordem, empatia uma via
de mão única, amor ao próximo ficou obsoleto e cada um acredita que sua verdade
é a que vale sobre as demais.
Chegou o tempo da colheita... Os campos emocionais
estão repletos de tristezas, de ódios e plantações inteiras de síndromes e
complexos. Nunca se tomou tantos medicamentos para dores existenciais e essas
dores nunca foram tão perturbadoras.
Nos dias de hoje o que vale é não sofrer, é enganar o
cérebro com remédios que dão a ilusão de que a felicidade existe e se esconde
nas pequeninas cápsulas, muitas vezes sem receita, indicadas por pseudomédicos,
formados nas escolas da transgressão. E essas cápsulas mágicas fazem o tempo
parecer alado, voando rápido de um extremo a outro da consciência e ninguém
mais se entende no olho no olho. Mas para que se podemos nos entender nas
redes, não aquelas que balançam ao sabor do tempo, mas aquela rede intrincada e
perigosa onde todo mundo é feliz e bondoso até que alguém diga: Culpado! Homo!
Negro! Pobre, Riquinho... Palavras, só palavras, mas que carregam em si a
amargura dos seres, o preconceito e a maldade dos que não aprenderam a sonhar,
porque hoje em dia sonhar é para poucos, para quem ainda tem coragem de remar
contra a maré, para quem, mesmo sem saber nadar, se atreve a atravessar o mar
de lama e destruição moral que assola o novo tempo, que desperta o que há de
pior no individuo fabricado por aquele tempo do jeitinho, onde tudo era
permitido.
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