Olá

Bem-vindo a este blog, fico muito feliz com a sua visita. Receber amigos é algo que nos estimula e realiza.


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O Homem no Mundo: entre o Ser e a rotina do Ter

“Todo dia ela faz tudo sempre igual...” (Chico Buarque de Holanda – Cotidiano)

Na música o compositor fala de uma mulher previsível. Há certa monotonia no seu dizer. Lembra uma fábrica, uma linha de produção, nos remete à rotina que massifica homens, mulheres, crianças e jovens. A rotina é quem coloca o indivíduo por anos a fio numa profissão que odeia, num casamento sem amor, num grupo com o qual pouco se identifica, quem incute o medo do novo, da mudança, do arriscar-se. Rotina segundo o dicionário é o hábito de proceder sempre da mesma maneira, sem atender ao progresso. Mas essa visão se amplia à medida que o progresso vem, cada vez mais, colocar o homem dentro da chamada rotina. Na área profissional homens e mulheres procuram manter seus empregos cumprindo horários extensos e prazos mínimos. Algumas empresas tentam “humanizar” seus departamentos visando aumentar a produtividade diminuindo as licenças médicas. Porém esse indivíduo que sai do trabalho vai fazer tudo sempre igual no ambiente familiar.


Estar diante da TV é um hábito mais aprazível que o diálogo com a(o) esposa(o) e com os filhos. Aliás, é bem provável que as crianças e/ou jovens estejam jogando com seus vídeo-games ou fazendo novos amigos pela internet.
A rotina acaba com o diálogo! Dialogar é conversar com uma ou mais pessoas e conversação supõe relacionamento, logo a rotina acaba com o relacionamento. Não é difícil perceber isso, principalmente quando o assunto da moda é insegurança, medo da solidão, do desemprego, da violência... ninguém diz ter medo da rotina.
O homem ou a mulher que se entrega às suas obrigações sem inovar, surpreender, superar e se aliar têm poucas chances de se elevar no mercado de trabalho e a criança que se prende ao computador e ao vídeo-game não saberá interagir, obter conhecimentos diversificados e a globalização não perdoa quem não domina vários assuntos. O homem é um ser social, não vive sozinho e depende do outro para progredir. Os jovens estão desaprendendo a viver em grupo, só conseguem se expressar através do Orkut, do MSN, e até namoram pela Internet. Diante do outro, inseguros, não sabem o que dizer. Mas já sabem comprar, possuem cartão do Banco e de Crédito. Aprenderam que é importante ter, afinal se os pais estão fora todo o dia e cansados demais à noite e nos finais de semana é por querer lhes dar o máximo possível: bens materiais, garantia de uma vida de conforto e regalias. Aprenderam a avaliar os colegas pela aparência física, pelas roupas, pelos lugares que freqüentam, música que ouvem e grupos que se encaixam.
É a ditadura do Ter com as mesmas ferramentas e algemas, lembrando que o Ter bem orientado é o resultado do progresso e da elevação do Ser.
Ainda na música Cotidiano, nos versos “todo dia eu só penso em poder parar / meio dia eu só penso em dizer não / depois penso na vida pra levar / e me calo com a boca de feijão”, percebe-se a desesperança daquele que precisa seguir a rotina, que precisa pensar no sustento da família, nas contas a pagar. Mas Chico continua cantando “toda noite ela diz pra eu não me afastar / meia-noite ela jura eterno amor / me aperta pra eu quase sufocar / e me morde com a boca de pavor”, é a insegurança do Ser ante as incertezas da vida, dos sonhos desfeitos ou não realizados, ante a ansiedade e a baixa auto-estima, invenções do progresso que se instalam na vida moderna criando patologias como: depressão, síndrome do pânico, neurose obsessiva compulsiva, stress e tantas outras neuroses. Sentindo-se na obrigação de Ter o homem se perde do Ser e ao separar-se de si mesmo passa a viver uma realidade que não é a sua, se desestrutura, não se conhece nem se reconhece como parte do mundo.
Freud, o pai da Psicanálise, dizia que os transtornos psicológicos provinham de impulsos instintivos reprimidos, inconscientes. Mais tarde, seus discípulos vieram acrescentar que a inter-relação, o contato social também tem influência nas dificuldades psicossociais, originadas na ânsia de poder e de domínio e pela discrepância entre potencialidade e realização. O Ser tem potencialidades que são oprimidas pela obrigação de Ter. Numa sociedade consumista o indivíduo não é importante pelo que é, mas pelo que possui e é nesse contexto que a Psicanálise, reconhecendo o homem como um ser biopsicossocial vai buscar conhecimento na Antropologia, na Sociologia, na Política e na Religião para analisar o Ser como um todo: suas aspirações, crenças, seu “modus vivendi”, direcionando-o para o autoconhecimento porque o ser humano saudável é, como diz o psicanalista e sociólogo Eric Fromm: “ capaz de relacionar-se com o mundo, a um só tempo, percebendo-o com é e concebendo-o animado e enriquecido por seus poderes pessoais”.
O homem que insiste em permanecer no desconhecimento de si mesmo, segue, então, pela vida a cantar: “todo dia ela faz tudo sempre igual! Todo dia ela faz tudo sempre igual! Todo dia... sempre igual...”.

Nenhum comentário: